Acórdão: Agravo de Instrumento n. 2003.021716-9, de Rio do Sul.
Relator: Des. Mazoni Ferreira.
Data da decisão: 04.11.2004.
Publicação: DJSC n. 11.567, edição de 02.12.2004, p. 09.
EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO - AÇÃO DE SEPARAÇÃO LITIGIOSA - CONVERSÃO EM DIVÓRCIO DIRETO DETERMINADA PELO MAGISTRADO EM DECORRÊNCIA DO LAPSO TEMPORAL DE DOIS ANOS - IMPOSSIBILIDADE DIANTE DA NÃO CONCORDÂNCIA DE UM DOS CÔNJUGES - PRETENSÃO DA VIRAGO DE DISCUTIR O MÉRITO - AÇÃO DE CARÁTER PERSONALÍSSIMO - NECESSIDADE DE OBSERVÂNCIA DA REIVINDICAÇÃO - PARTILHA - DETERMINAÇÃO PARA PROCESSAMENTO EM AUTOS PRÓPRIOS - INSURGÊNCIA CONTRA DESPACHO QUE APENAS REITEROU A DECISÃO ANTERIOR - INTEMPESTIVIDADE CONFIGURADA - PATRIMÔNIO ADMINISTRADO UNICAMENTE PELO VARÃO - INDISPENSABILIDADE DE PRESTAÇÃO DE CONTAS A FIM DE SE EVITAR A DILAPIDAÇÃO DOS BENS - REALIZAÇÃO DE MAIS DE UMA AUDIÊNCIA DE INSTRUÇÃO E JULGAMENTO - INEXISTÊNCIA DE NULIDADE E IRREGULARIDADE - FACULDADE CONFERIDA AO JULGADOR - RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Agravo de Instrumento n. 2003.021716-9, da comarca de Rio do Sul (1ª Vara Cível), em que é agravante R. N. C. dos S. e agravado P. P. C. dos S.:
ACORDAM, em Segunda Câmara de Direito Civil, por votação unânime, dar provimento parcial ao recurso.
Custas na forma da lei.
I. RELATÓRIO:
R. N. C. dos S. interpôs agravo de instrumento, com pedido de efeito suspensivo, contra decisão proferida pelo Juiz de Direito da 1ª Vara Cível da comarca de Rio do Sul que, nos autos da ação de separação judicial litigiosa - n. 054.01.002477-1 - ajuizada contra P. P. C. dos S., manteve o despacho de fls. 93 e 94, no qual determinou que a partilha fosse realizada em autos próprios, deferiu à agravante o direito de perceber 50% dos aluguéis referentes à locação de um dos imóveis pertencentes ao casal, designou dia para audiência de instrução e julgamento e, por fim, solicitou que as partes "ratificassem o pedido inicial em divórcio, nos termos do art. 1.580, § 2º, do Código Civil".
Alegou, em síntese, que: a) incabível a transformação da separação judicial litigiosa em divórcio direto, pelo simples decurso do tempo, pois pretende que seja apurada a culpa do varão; b) requereu o repasse de 50% dos aluguéis percebidos pelo recorrido com a locação das empresas Frabricenter-470 e Vale Europeu, bem como a notificação do agravado para que "não receba e nem despenda de importância sem a anuência da A., sua sócia nas empresas"; contudo, tais pleitos não foram analisados nem mesmo nos embargos de declaração; c) deve a partilha ser feita nos autos da separação; d) já foi realizada audiência de instrução e julgamento em junho de 2003, sendo inadmissível a repetição do ato.
Ao final, pugnou pelo provimento do agravo para que seja revogada a decisão objurgada.
Foi negado o efeito suspensivo almejado (fls. 91 e 92).
Interpostos embargos de declaração, estes foram rejeitados (fls. 101 e 102).
Regularmente intimado, o agravado deixou fluir in albis o prazo para apresentar as contra-razões de recurso.
Novos embargos de declaração restaram opostos, tendo sido, mais uma vez, rejeitados (fls. 110 e 111).
A agravante, não se conformando ainda com as decisões, interpôs agravo regimental, que não foi conhecido (fls. 124 a 126).
A douta Procuradoria-Geral de Justiça, em parecer da lavra do Dr. Jobél Braga de Araújo, manifestou-se pelo provimento parcial do recurso.
II. VOTO:
1. Primeiramente, quanto à conversão da ação de separação litigiosa em divórcio direto, verifica-se não ser esta possível, porquanto não há concordância de ambos os cônjuges neste sentido, pretendendo a agravante a apuração de culpa, a fim de eximir-se de obrigações futuras, principalmente alimentícias.
Prescreve o art. 1.576 do Código Civil:
“Art. 1576. A separação judicial põe termo aos deveres de coabitação e fidelidade recíproca e ao regime de bens.
Parágrafo único. O procedimento judicial da separação caberá somente aos cônjuges, e, no caso de incapacidade, serão representados pelo curador, pelo ascendente ou pelo irmão."
Por sua vez, o art. 1.582 do Código Civil estabelece:
“Art. 1.582. O divórcio somente competirá aos cônjuges."
Pela dicção dos artigos, percebe-se, claramente, que tanto a ação de separação quanto a de divórcio são de caráter personalíssimo, significando que somente os cônjuges podem ajuizá-las ou delas dispor, bem como escolher o procedimento mais adequado às suas pretensões.
No caso sub judice, ingressou a agravante com a demanda de separação litigiosa ao argumento de que houve, por parte do varão, violação aos deveres do casamento, pois este passou a ser pessoa bastante violenta, agredindo-a fisicamente, o que tornou insuportável a vida em comum. Solicitou, em decorrência disso, a averiguação da culpa e a responsabilização do agravado nas cominações legais.
No curso do processo, pelo simples fato de já estarem as partes separadas de fato há dois anos, entendeu o Julgador que deveria o pedido inaugural ser reformulado para divórcio direto, com o que a recorrente não concordou, pois, com a ausência de apuração da culpa, pode ela, futuramente, sofrer implicações legais, como, por exemplo, o pagamento de alimentos ao varão, conforme consta no art. 1.704 do Código Civil, que assim dispõe:
“Art. 1.704. Se um dos cônjuges separados judicialmente vier a necessitar de alimentos, será o outro obrigado a prestá-los mediante pensão a ser fixada pelo juiz, caso não tenha sido declarado culpado na ação de separação judicial.
Parágrafo único. Se o cônjuge declarado culpado vier a necessitar de alimentos, e não tiver parentes em condições de prestá-los, nem aptidão para o trabalho, o outro cônjuge será obrigado a assegurá-los, fixando o juiz valor indispensável à sobrevivência."
Pois bem, por ser direito da parte o exame do mérito e possuir a ação de separação, repita-se, caráter personalíssimo, incabível a conversão determinada pelo Togado singular, mormente quando existe insurgência expressa da parte neste sentido.
Se eventualmente for o agravado declarado culpado, não poderá ele no futuro requerer alimentos da virago, podendo, fazê-lo, excepcionalmente, somente no caso de não possuir mais nenhum outro parente e estar inválido. Deste modo, nota-se que pertinentes são os receios da recorrente na hipótese do não exame do mérito, não podendo o Judiciário cercear-lhe tal direito.
É certo que no direito de família as normas podem ser bastante flexibilizadas, a fim de atender o interesse dos envolvidos, motivo pelo qual não haveria empecilho para a conversão da separação litigiosa em divórcio direto. Entretanto, para que isto ocorresse, indispensável seria o consentimento das partes envolvidas, o que não se vislumbra na hipótese.
Ora, se prejuízos podem ser causados à recorrente com a não apreciação da culpa, não pode o Julgador simplesmente silenciar a este respeito e dissolver a sociedade conjugal tão-somente porque as partes já estão separadas de fato há dois anos.
Portanto, como muito bem consignou o Dr. Jobél Braga de Araújo, "em se tratando de contencioso civil do qual emana o caráter de sanção, aliado ao caráter personalíssimo da actio, tal deliberação cinge-se somente às partes, mormente àquela a que se atribui a autoria do pleito deduzido", impossibilitando, por tal motivo, a conversão realizada pelo Juízo a quo.
2. No que tange à partilha, incabível a discussão aspirada pela agravante, em decorrência da preclusão consumativa, pois a decisão que determinou que a divisão dos bens fosse realizada em autos próprios restou formalizada no despacho de fls. 93 e 94, tendo o Togado de primeiro grau, nos despachos posteriores, apenas renovado seu posicionamento. Desta forma, havendo discordância por parte de qualquer dos litigantes sobre o assunto, cabia a eles ter-se rebelado quando da prolação do primeiro decisum e não dos posteriores, em que houve tão-somente a confirmação daquele.
No despacho ora atacado ocorreu apenas a reiteração de determinação anterior, o que impossibilita o exame da questão, já que inexistiu insurgência em momento oportuno.
Assim, nas circunstâncias retratadas nos autos, forçoso reconhecer que é intempestiva a irresignação da recorrente, conforme remansosa jurisprudência, mutatis mutandis:
“Se a carga de lesividade resultou de decisão já preclusa, renovada em pedido em petição de reconsideração posterior, não se viabiliza o agravo de instrumento contra este último ato, posto não ter ele o condão de reabrir o prazo recursal já vencido" (AI n. 9.335, Des. Nilton Macedo Machado).
“O pedido de reconsideração serôdio, formulado quando, já decorrido o prazo recursal, não pode servir de salvatério a parte para exonerá-la da pena de deserção aplicada" (AI n. 8.494, Des. Pedro Manoel Abreu).
Frisa-se, outrossim, que o argumento da agravante de que a partilha deve, necessariamente, ser feita nos autos da ação de separação, não pode ser acolhido, primeiro porque, como já dito, ocorreu a preclusão quanto à possibilidade de discussão da matéria; segundo porque inexiste óbice em nosso ordenamento jurídico para que seja a meação realizada em ação própria, ainda mais quando o caso apresenta complexidade jurídica e quantidade de bens, como na espécie.
Por fim, acrescenta-se que, ao contrário do afirmado pela recorrente, agiu acertadamente o Juízo de primeira instância ao não se manifestar acerca do pedido de divisão dos aluguéis, pois tal situação diz respeito à partilha, que, torna-se a dizer, deverá ser realizada em ação própria. Na ação de separação não há mais o que se debater com relação à meação.
3. Com relação ao pedido para notificação do recorrido, a fim de que este "não receba nem pague qualquer importância sem a sua anuência", este deve ser deferido em parte, para que se evite a dilapidação do patrimônio do casal, que está sob a administração daquele.
Por certo, o atendimento integral do pleito inviabilizaria por completo a administração dos bens, trazendo, para ambos os cônjuges prejuízos consideráveis, isto porque inúmeros negócios podem ser perdidos com a eventual demora na concordância por parte da agravante, que pode deixar de fazê-la sem motivo justificado, obrigando o agravado, nestas situações, a ingressar em juízo para supri-la. Demais, o estado de ânimo em que se encontra o casal é bastante acirrado, o que certamente contribuirá para dificultar as transações a serem eventualmente efetuadas.
Todavia, como metade do patrimônio pertence à recorrente, não se pode negar a ela o direito de saber como estão sendo gerenciados seus bens. Por conseguinte, determina-se que o varão apresente à postulante relatório mensal das atividades, o que, sem dúvida, possibilitará que ela tome as providências que entender necessárias em caso de discordância.
4. No que concerne à alegação de que é inadmissível a repetição de audiência de instrução e julgamento, esta não merece ser acolhida, pois pode o Julgador realizar tantas quantas forem necessárias para formar seu convencimento, inexistindo em nossa legislação limite para colheita de prova. Demais, pode o Magistrado, também, tentar, sempre que considerar oportuno, conciliar as partes. In casu, não praticou o Togado singular qualquer ato nulo ou ilegal, não tendo ocorrido qualquer prejuízo para os litigantes.
5. À vista do exposto, dou provimento parcial ao recurso para que a ação continue tramitando como separação judicial litigiosa, devendo, em primeiro grau, ser examinado o mérito da questão e intimado o agravado, a fim de que apresente à agravante relatório mensal acerca da administração de todo o patrimônio pertencente ao casal.
III. DECISÃO:
Nos termos do voto do relator, deram provimento parcial ao recurso.
Participaram do julgamento, com votos vencedores, os Exmos. Srs. Des. Monteiro Rocha e Luiz Carlos Freyesleben.
Pela douta Procuradoria-Geral de Justiça, lavrou parecer o Exmo. Sr. Dr. Jobél Braga de Araújo.
Florianópolis, 4 de novembro de 2004.
Mazoni Ferreira
PRESIDENTE E RELATOR
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